A Festa da Divina Misericórdia e o Encontro com o Cristo Ressuscitado

No Segundo Domingo da Páscoa, celebramos a Divina Misericórdia, contemplando as aparições do Cristo ressuscitado e suas chagas gloriosas como sinais eternos de amor, perdão e renovação da fé.
A Festa da Divina Misericórdia e o Encontro com o Cristo Ressuscitado

A homilia do 2º Domingo da Páscoa, Domingo da Divina Misericórdia, de 26 de abril de 2025, foi escrita por Dom Anselmo Chagas de Paiva, monge beneditino do Mosteiro de São Bento, do Rio de Janeiro.

Caros irmãos e irmãs,

Celebramos hoje o segundo Domingo da Páscoa e, com isto, concluímos a semana ou, mais propriamente, a “Oitava" de Páscoa, que a liturgia considera como um único dia: "O dia que fez o Senhor” (Sl 117,24). Não é um tempo cronológico, mas espiritual, que Deus inaugurou no tecido dos dias, quando ressuscitou Cristo de entre os mortos. Infundindo a vida nova e eterna no corpo sepultado de Jesus de Nazaré, o Espírito Criador completou a obra da criação, dando origem às primícias de uma renovada humanidade que, ao mesmo tempo, são primícias de um novo mundo e de uma nova época.

O Papa São João Paulo II dedicou também este mesmo domingo à Divina Misericórdia, por ocasião da canonização da Irmã Faustina Kowalska, a 30 de abril de 2000. A página do Evangelho deste domingo, como de fato, é rica de misericórdia e de bondade divina. Nela narra-se que Jesus, depois da Ressurreição, visitou os seus discípulos, entrando pelas portas fechadas do Cenáculo. Santo Agostinho explica que "as portas fechadas não impediram a entrada daquele corpo no qual habitava a divindade. Aquele que nascendo tinha deixado intacta a virgindade da mãe pôde entrar no cenáculo estando as portas fechadas" (S. AGOSTINHO, In Ioh. 121, 4; CCL 36/7, 667); e São Gregório Magno acrescenta que o nosso Redentor se apresentou, depois da sua Ressurreição, com um corpo de natureza incorruptível e palpável, mas em um estado de glória (cf. S. GREGÓRIO MAGNO, Hom. in Evang., 21, 1: CCL 141, 219).

Jesus se apresenta aos seus discípulos com o corpo ressuscitado, o mesmo que foi martirizado e crucificado. Aquele corpo possui, porém, ao mesmo tempo, novas propriedades: Tornou-se espiritual e glorificado, e, portanto, não está sujeito às limitações habituais aos seres materiais e, por conseguinte, a um corpo humano. Mas, ao mesmo tempo, aquele corpo é autêntico e real. Na sua identidade material está a demonstração da ressurreição de Cristo. Em algumas de suas aparições, como nos relata os textos bíblicos, impressiona o fato de os discípulos, em um primeiro momento, não O reconhecerem. Isto acontece não só aos discípulos de Emaús, mas também a Maria Madalena e, depois, uma vez mais junto do mar de Tiberíades: “Ao romper da manhã, Jesus apresentou-Se na margem, mas os discípulos não sabiam que era Ele” (Jo 21,4). Só o reconhece o discípulo que Jesus amava, quando diz a Pedro: “É o Senhor” (Jo 21,7). A essa dialética do reconhecer e não reconhecer corresponde a modalidade da aparição. No texto Evangélico deste domingo Jesus chega através das portas fechadas e correlativamente desaparece de maneira improvisa, como no fim do Encontro com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35). A novidade desta teofania do Ressuscitado consiste no fato de que Jesus é verdadeiramente Homem; e como Homem ele sofreu e morreu; agora vive de modo novo na dimensão do Deus vivo; aparece agora como verdadeiro Homem, mas, a partir de Deus: e Ele mesmo é Deus (cf. BENTO PP XVI, Jesus de Nazaré, p. 238-239).

O trecho do Evangelho que ouvimos nos relata as duas aparições de Jesus Ressuscitado aos Apóstolos reunidos no Cenáculo: na tarde de Páscoa, quando Tomé estava ausente, e oito dias mais tarde, na presença de Tomé. Na primeira vez, o Senhor mostrou aos discípulos as feridas do seu corpo, fez o sinal de soprar sobre eles e disse: “Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio” (Jo 20, 21). Transmite-lhes a sua própria missão, com a força do Espírito Santo. Inicialmente Jesus transmite aos apóstolos o dom da paz e da vida com o "Sopro criador". De facto, Jesus disse duas vezes aos discípulos: "A paz esteja convosco!". Ele pronuncia esta saudação como sinal e anúncio da sua vitória (cf. Lc 24, 36; Jo 20, 19.21.26). A Paz é o dom que Cristo deixou aos seus amigos (cf. Jo 14, 27), como bênção destinada a toda a humanidade. Não a paz segundo a mentalidade do "mundo", como equilíbrio de forças, mas uma nova realidade, fruto do amor de Deus, da sua Misericórdia. É a paz que Jesus Cristo adquiriu com o preço do seu Sangue e que comunica a quantos nele confiam.

Ao dizer: “A paz esteja convosco!” (Jo 20,21), Jesus transmite aos apóstolos a paz que não divide, mas une; é a paz que não deixa sozinhos, mas faz-nos sentir acolhidos e amados; é a paz que sobrevive no sofrimento e faz florescer a esperança. Esta paz, como no dia de Páscoa, nasce e renasce sempre do perdão de Deus, que tira a ansiedade do coração. E esta é a missão confiada à Igreja no dia de Páscoa: ser portadora da Sua paz. Nascemos em Cristo como instrumentos de reconciliação, para levar a todos o perdão do Pai, para revelar o seu rosto de amor nos sinais da misericórdia.

Após saudar os discípulos, Jesus sopra sobre eles dizendo: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”. O perdão dos pecados indica o sinal Divina Misericórdia. Jesus nos concede a possibilidade de iniciar de novo sempre de novo. Com isto, infunde em nós a consciência do dever interior de amar, do dever de corresponder à sua confiança com a nossa fidelidade. É esta também a missão da Igreja perenemente assistida pelo Paráclito: levar a todos o feliz anúncio, a jubilosa realidade do Amor misericordioso de Deus.

Mas nesta tarde em que Jesus apareceu aos apóstolos, não estava presente Tomé. Ao tomar conhecimento, rejeitou acreditar no testemunho dos seus companheiros e disse: “Se eu não vir nem tocar as suas chagas não acreditarei” (cf. Jo 20,25). Oito dias depois — ou seja, precisamente como hoje — Jesus volta a apresentar-se no meio deles e dirige-se imediatamente a Tomé, convidando-o a tocar as feridas das suas mãos e do seu lado. Ele vai ao encontro da sua incredulidade para que, através dos sinais da paixão, ele possa alcançar a plenitude da fé pascal, isto é, a fé na Ressurreição de Jesus. A ele é concedido que toque nas suas feridas para assim o reconhecer; como de fato, Tomé O reconhece além da Sua identidade humana do Jesus de Nazaré, na sua verdadeira e mais profunda identidade: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28). Tomé toca nas suas feridas e, com isto, o Senhor o levou consigo na eternidade as suas feridas. Ele é um Deus ferido; deixou-se ferir por amor para conosco. E Jesus deixa-se ferir sempre de novo por nós.

Neste contexto vimos que o apóstolo Tomé experimenta precisamente a misericórdia de Deus, que tem um rosto concreto: o de Jesus, de Jesus Ressuscitado. Tomé não confia nos demais Apóstolos, quando lhe dizem: “Vimos o Senhor”; para ele, não é suficiente a promessa de Jesus que preanunciara: ao terceiro dia ressuscitarei. Tomé quer ver, quer colocar a sua mão no sinal dos cravos e no peito. E qual é a reação de Jesus? A paciência: Jesus não abandona Tomé relutante na sua incredulidade; dá-lhe uma semana de tempo, não fecha a porta, espera. E Tomé acaba por reconhecer a sua própria pobreza, a sua pouca fé. Com esta invocação simples: “Meu Senhor e meu Deus”, mas cheia de fé, responde à paciência de Jesus. Deixa-se envolver pela misericórdia divina, vê-a à sua frente, nas feridas das mãos e dos pés, no peito aberto, e readquire a confiança. Tomé torna-se um homem novo, já não incrédulo, mas crente.

Vimos que no corpo de Cristo ressuscitado, as chagas não desaparecem, continuam, porque aquelas chagas são o sinal permanente do amor de Deus por nós, sendo indispensáveis para crer em Deus: não para crer que Deus existe, mas sim que Deus é amor, misericórdia, fidelidade. Citando o profeta Isaías, o Apóstolo São Pedro escreve aos cristãos: “Pelas suas chagas, fostes curados” (1Pd 2,24; cf. Is 53,5). Jesus hoje também nos convida a contemplar as suas chagas, nos convida a tocá-las, como fez com Tomé, a fim de curar a nossa incredulidade. Convida-nos sobretudo a entrar no mistério destas chagas, que é o mistério do seu amor misericordioso. Em um dos seus comentários ao Cântico dos Cânticos, São Bernardo detém-se precisamente sobre o mistério das chagas do Senhor, usando expressões fortes, corajosas, que nos faz bem retomar hoje. Diz ele que, “através das feridas do corpo, manifesta-se a recôndita caridade do coração de Cristo, torna-se evidente o grande mistério do amor, mostram-se as entranhas de misericórdia do nosso Deus” (S. BERNARDO, Disc. 61, 3-5: Opera omnia 2, 150-151).

Nas suas chagas, através do Sacramento da Penitência, Ele nos cura e perdoa todos os nossos pecados. Que a Virgem Maria interceda sempre por nós e nos ajude a ser misericordiosos com o próximo, como Jesus é com cada um de nós.

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ